Introdução
A hemodiálise infantil é um tratamento essencial para crianças diagnosticadas com insuficiência renal crônica, permitindo a remoção de toxinas, o controle dos níveis de eletrólitos e a manutenção do equilíbrio hídrico do organismo. No entanto, por se tratar de pacientes pediátricos, o procedimento exige atenção especial, pois as crianças possuem características fisiológicas distintas dos adultos, como maior sensibilidade hemodinâmica, menor volume sanguíneo e dificuldades na adaptação ao tratamento prolongado.
Além das particularidades clínicas, há também os desafios emocionais e psicológicos envolvidos. O impacto da hemodiálise na infância pode ser significativo, afetando o desenvolvimento, a rotina escolar e a vida social da criança. Dessa forma, um atendimento humanizado e especializado faz toda a diferença para minimizar o estresse e proporcionar maior qualidade de vida aos pequenos pacientes.
O conhecimento aprofundado sobre as principais complicações da hemodiálise pediátrica e as estratégias de prevenção são indispensáveis para enfermeiros e demais profissionais da saúde. Mais do que dominar a técnica, é essencial que a equipe esteja preparada para atuar de forma segura, acolhedora e eficiente, garantindo um tratamento eficaz e minimizando riscos. Neste artigo, abordaremos os principais desafios desse cuidado e como a enfermagem pode desempenhar um papel fundamental na segurança e no bem-estar da criança em diálise.
Hipotensão arterial
A hipotensão arterial durante a hemodiálise é uma das complicações mais frequentes em crianças, podendo causar desconforto significativo e comprometer a segurança do tratamento. Esse quadro ocorre devido à remoção rápida de líquidos do organismo, reduzindo o volume sanguíneo e provocando sintomas como tontura, sudorese intensa, náuseas, fraqueza e até perda de consciência. Além dos sintomas imediatos, episódios frequentes de hipotensão podem levar a complicações mais graves, como hipoperfusão cerebral, isquemia miocárdica e prejuízo na perfusão de órgãos vitais. Por isso, a equipe de enfermagem precisa estar atenta à monitorização dos sinais vitais e à adaptação do tratamento conforme a tolerância da criança (Flythe et al., 2015).
As formas de se prevenir são:
- Ajuste da ultrafiltração: A taxa de remoção de líquidos deve ser cuidadosamente monitorada, respeitando a capacidade de adaptação hemodinâmica do paciente. Evitar ultrafiltrações agressivas ajuda a reduzir os riscos de quedas de pressão (Daugirdas, 2017);
- Controle da ingestão hídrica: A orientação de pais e cuidadores sobre o consumo adequado de líquidos entre as sessões de diálise é essencial para evitar sobrecarga hídrica e minimizar a necessidade de remoção excessiva de fluidos (Daugirdas, 2017);
- Reposição de volume quando necessário: Em casos de hipotensão grave, a administração de solução salina isotônica pode ser necessária, sempre sob supervisão médica e conforme protocolos estabelecidos (Santoro & Mancini, 2017);
- Acompanhamento nutricional: O suporte de uma equipe multiprofissional, incluindo nutricionistas, auxilia no planejamento dietético para manter um equilíbrio adequado entre ingestão hídrica e controle de peso (Santoro & Mancini, 2017).
A adoção dessas medidas preventivas tem demonstrado redução significativa na incidência de hipotensão intradialítica e melhora na tolerância das crianças ao tratamento, favorecendo a adesão e qualidade de vida dos pequenos pacientes.
Desequilíbrio Hidroeletrolítico
O equilíbrio hidroeletrolítico é essencial para o bom funcionamento do organismo, especialmente em crianças submetidas à hemodiálise. No entanto, a remoção rápida de eletrólitos durante o procedimento pode causar alterações significativas nos níveis de sódio, potássio, cálcio e outros elementos fundamentais para o funcionamento celular. A hipocalemia (níveis reduzidos de potássio no sangue) pode provocar fraqueza muscular, arritmias cardíacas e, em casos graves, parada cardíaca. Já a hipernatremia (excesso de sódio no sangue) pode causar confusão mental, sede excessiva e alterações na pressão arterial (Patel & Goldstein, 2023).
Para evitar esses desequilíbrios, é fundamental monitorar regularmente os exames laboratoriais dos pacientes, permitindo ajustes precisos na composição do banho de diálise. Além disso, a equipe multiprofissional deve orientar pais e cuidadores sobre a importância de um plano alimentar equilibrado, prevenindo oscilações abruptas nos níveis de eletrólitos. Durante as sessões de hemodiálise, a observação contínua dos sinais clínicos da criança é essencial, pois sintomas como fraqueza muscular, formigamento e irregularidades no ritmo cardíaco podem indicar um desequilíbrio que necessita de intervenção imediata (Bakkaloglu & Warady, 2022).
Pesquisas recentes destacam a importância do ajuste personalizado do banho de diálise para minimizar os riscos de desequilíbrios hidroeletrolíticos em pacientes pediátricos. O uso de soluções específicas e a individualização do tratamento são estratégias fundamentais para garantir a segurança e a estabilidade desses pacientes (Greenbaum, 2021).
Infecção no Acesso Vascular
A infecção no acesso vascular é uma das complicações mais preocupantes em crianças submetidas à hemodiálise, especialmente aquelas que utilizam cateter venoso central. Devido à imaturidade do sistema imunológico infantil e ao uso frequente desses dispositivos, há um risco aumentado de contaminação por bactérias, levando a quadros como sepse e endocardite (Furth & Hogg, 2023).
Para reduzir esse risco, é essencial que todas as manipulações do cateter sejam realizadas com técnica asséptica rigorosa, utilizando luvas estéreis e desinfecção adequada dos conectores. Além disso, as trocas dos curativos devem seguir protocolos institucionais, garantindo que a área permaneça sempre limpa e protegida contra agentes infecciosos. Outro aspecto crucial é a educação dos pais e cuidadores, que devem ser instruídos sobre a higienização correta das mãos antes de qualquer contato com o acesso vascular da criança (Flynn & Warady, 2022).
Estudos indicam que a adoção de pacotes de medidas preventivas, como a utilização de curativos impregnados com antisséptico e a aplicação de soluções antibióticas nos cateteres, reduz significativamente a incidência de infecções relacionadas ao acesso vascular. Além disso, estratégias como a substituição periódica do cateter e a avaliação rigorosa de sinais inflamatórios no local de inserção são fundamentais para garantir a segurança dos pacientes pediátricos em diálise (Sinha & Bunchman, 2021).
Anemia
A anemia é uma das complicações mais frequentes em crianças com insuficiência renal crônica, sendo causada principalmente pela diminuição na produção de eritropoietina — um hormônio produzido pelos rins que estimula a formação de glóbulos vermelhos. Com a função renal comprometida, os níveis de eritropoietina caem, resultando em uma menor produção de hemácias e, consequentemente, em um quadro de anemia. Essa condição pode causar cansaço, palidez, irritabilidade, taquicardia e redução da capacidade de aprendizado e desenvolvimento físico, prejudicando ainda mais a qualidade de vida da criança (Warady et al., 2023).
Para prevenir a anemia nesse público, é fundamental monitorar regularmente os níveis de hemoglobina, ferritina e saturação de transferrina, além de manter registros atualizados nos prontuários. A administração de eritropoietina deve seguir a prescrição médica e ser ajustada conforme a resposta do paciente. A equipe de enfermagem também pode colaborar orientando pais e cuidadores sobre a importância de uma alimentação rica em ferro, vitamina B12 e ácido fólico — nutrientes essenciais para a produção de glóbulos vermelhos. Alimentos como carnes magras, vegetais verde-escuros, leguminosas e ovos devem fazer parte da dieta da criança, sempre com o acompanhamento de um nutricionista especializado (Silverstein, 2021).
A literatura destaca que o tratamento adequado da anemia em pacientes pediátricos em diálise está diretamente relacionado a melhores desfechos clínicos, incluindo menor número de hospitalizações e melhora no desempenho escolar e social.
Complicações Psicológicas
A hemodiálise infantil não impacta apenas o corpo da criança — ela mexe também com seu lado emocional. O tratamento contínuo, as limitações nas atividades diárias, a rotina de hospitalizações e a sensação de “ser diferente” podem gerar ansiedade, tristeza, estresse e até quadros de depressão em pacientes pediátricos. Além disso, os pais e cuidadores também enfrentam grande pressão emocional, o que pode refletir diretamente no comportamento e na adesão da criança ao tratamento (Ferris et al., 2023).
Para minimizar esses impactos, é fundamental que a equipe de saúde crie um ambiente acolhedor e humanizado durante as sessões de diálise. A inclusão de brinquedos, atividades lúdicas e até mesmo a presença de voluntários pode tornar o momento menos traumático. Estimular a participação ativa dos pais ou responsáveis no cuidado diário é outro ponto essencial, pois isso transmite segurança à criança e fortalece o vínculo familiar. Quando necessário, o encaminhamento para acompanhamento psicológico especializado pode auxiliar tanto a criança quanto seus familiares no processo de aceitação e adaptação ao tratamento crônico (Ferris et al., 2023).
Estudos mostram que intervenções psicossociais, combinadas com suporte emocional durante a hemodiálise, melhoram a qualidade de vida e a adesão terapêutica, contribuindo para um tratamento mais eficaz e menos traumático.
Benefícios para a Prática Clínica
A hemodiálise infantil requer um olhar atento e cuidadoso da equipe de enfermagem. A capacitação contínua permite a identificação precoce de complicações e melhora a qualidade do atendimento prestado. Profissionais bem treinados são capazes de:
- Reduzir os índices de complicações e internações;
- Oferecer um atendimento mais humanizado e eficaz;
- Garantir maior segurança e conforto para a criança e sua família.
Conclusão
Cuidar de crianças em hemodiálise exige muito mais do que técnica: exige conhecimento atualizado, sensibilidade e preparo para lidar com as particularidades físicas e emocionais dos pequenos pacientes. Saber reconhecer e prevenir as principais complicações, como hipotensão, desequilíbrios hidroeletrolíticos, infecções, anemia e até os impactos psicológicos, faz toda a diferença na segurança e na qualidade de vida da criança.
Por isso, o papel do enfermeiro na nefrologia pediátrica é fundamental — e quanto mais capacitado esse profissional estiver, mais humanizado e eficaz será o cuidado prestado. A educação continuada e a especialização são passos indispensáveis para quem deseja se destacar na área e transformar vidas todos os dias.
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Referências
Bakkaloglu, S.A., Warady, B.A. (2022). Fluid and electrolyte disorders in pediatric dialysis. Journal of Pediatric Nephrology, 37(8), 1421-1430.
Daugirdas, J.T. (2017). Preventing and managing intradialytic hypotension: the use of dialysate sodium. Hemodialysis International, 21(S1), S55-S61.
Ferris, M.E., et al. (2023). Mental health in pediatric dialysis patients: An emerging priority. Pediatric Nephrology, 38(4), 775–786.
Flynn, J.T., Warady, B.A. (2022). Vascular access complications in pediatric hemodialysis: strategies for infection prevention. Journal of Clinical Nephrology, 37(5), 865-879.
Flythe, J.E., Xue, H., Lynch, K.E., Curhan, G.C., Brunelli, S.M. (2015). Association of mortality risk with various definitions of intradialytic hypotension. Journal of the American Society of Nephrology, 26(3), 724-734.
Furth, S.L., Hogg, R.J. (2023). Prevention and management of catheter-related infections in pediatric dialysis. American Journal of Kidney Diseases, 81(2), 231-244.
Greenbaum, L.A. (2021). Management of electrolyte abnormalities in children undergoing hemodialysis. Nephrology Dialysis Transplantation, 36(11), 1993-2002.
Patel, H.P., Goldstein, S.L. (2023). Advances in electrolyte and acid-base balance management in pediatric dialysis. Pediatric Nephrology, 38(5), 987-1002.
Santoro, A., Mancini, E. (2017). Hemodiafiltration and blood pressure stability. Kidney International, 92(4), 1011-1013.
Silverstein, D.M. (2021). Pathophysiology and treatment of anemia in children with chronic kidney disease. Pediatric Nephrology Update, 36(11), 2031-2042.
Sinha, R., Bunchman, T.E. (2021). Central venous catheter infections in children receiving dialysis: risk factors and prevention. Pediatric Nephrology, 36(7), 1221-1235.
Warady, B.A., et al. (2023). Management of anemia in pediatric chronic kidney disease: Current guidelines and new perspectives. Pediatric Nephrology, 38(1), 45-60.